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EDUCAÇÂO - TECNICISMO -TECNICISMO REDENTOR - MEIOS DE COMUNICACÂO DE MASSA - COMUNICACÂO - EDUCADOR/PENSADOR - MACHINA - VORAGEM INFORMACIONAL - ORGIA -

A boa questâo de agora: o papel da educaçâo na sociedade tecnicista (II)

Jorge Lucio de Campos
Em meio a uma blitz de signos sem qualquer espessura, formadores e formandos, educadores e educandos, ensinantes e aprendentes, vão, aos poucos, perdendo a capacidade de dialetizar com o concretum das situações, perdendo também, infortunadamente, a sensibilidade para a teorização. Isso se torna grave na medida que eles acabam não mais se percebendo como sujeitos produtores de sentido, e sim como meros decodificadores da tríplice burocracia da lei, do contrato e da instituição

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O papel dos MCM (meios de comunicaçao de massa) dentro desse processo vem sendo especialmente destacado por outra importante voz, a do pensador italiano Gianni Vattimo. Em seu livro A sociedade transparente(21), ele nos oferece um vigorosa diagnose da situação, mesmo que sob um ponto de vista, por opção, panorâmico. Ali o atual status quo é caracterizado como sendo o da emergência do que Vattimo chama de uma 'sociedade da comunicação generalizada'. De um modo ou de outro, é difícil negar que uma das ocorrências marcantes da contemporaneidade não tenha sido a proliferação dos meios técnicos de comunicação e, a partir dela, a consolidação simbólica de uma fileira de 'neomitos', entre eles, o do tecnicismo redentor.

Hodiernamente, sugere ainda ele, quase tudo teria se tornado
(como condição de visibilidade, de existência ´densa´) um objeto ou alvo de comunicação. Associando tal fenômeno (o da disseminação desenfreada da informação factual ou mesmo ´factóide´) com o da emergência dos vários pluralismos diccionais típicos do momento 'pós-moderno', ele igualmente nos chama a atenção para a estratégica confluência entre o fim do colonialismo histórico (embora um novo neocolonialismo esteja de vento em popa, sempre mais eficiente do que antes, enquanto evento), sobretudo no pós-guerra, e o desenvolvimento acelerado dos sistemas de comunicação globalizada. Tal confluência resultou na viabilização de um cenário em que um número indefinido de micronarrativas está sendo implementado, o que significa dizer, não só fabricado como também constantemente reciclado e reforçado.

Como uma alternativa ao que
Baudrillard chamou belamente de 'orgia'(22) -o momento explosivo da modernidade, o da liberação em todos os domínios (...) (o da) assunção de todos os modelos de representação e de anti-representação(23), que teria coincidido com o período da grande expansão modelar do ocidente e com a hegemonia de seu projeto megaimperialista- estaríamos vivenciando, recentemente, um momento 'pós-orgiástico', um em que (percorrendo) todos os caminhos da produção e da superprodução virtual de signos, de mensagens, de ideologias, de prazeres, (estando) hoje tudo liberado, o jogo já feito, nos encontraríamos, coletivamente, diante da pergunta crucial: o que fazer (...)(24)? Crise da história, de um figura dominante da história, de uma visão cêntrica da história... Miopia que passou a encará-la como uma movimentação longínqua rumo a uma rigorosa racionalização: a do 'progresso'.

Os
meios eletrônicos de comunicação, como não poderia deixar de ser, tem gerado várias alterações em nossa sensibilidade. Passou a ser impossível não perceber o mundo à nossa volta de uma outra maneira, ou seja, segundo coordenadas muito frescas. Estamos nos referindo a próteses poderosas que não só nos permitem uma visão íntima e detalhada do real, como também nos acenam com a possibilidade de brincarmos um pouco com isso, de recriarmos a própria realidade (convertendo-a numa espécie de trans-realidade ou, como prefere Baudrillard, numa hiper-realidade) segundo desígnios fascinantes: lúdicos, científicos, mercadológicos, etc.

Refiro-me aqui, entre outras coisas, a um urdimento de
simulacros multiplicados, multiplicáveis e multiplicantes cujo impacto sobre a teoria e a prática pedagógicas não poderia também ser menos desconcertante. Não há como negar que algumas das alterações se prestam a nos excitar muito: a tendência é que as escolas saiam, progressivamente, das ´famigeradas´ (seriam isso mesmo?) salas de aula para se nutrirem e reforçarem (ou descaracterizarem?) em novos espaços onde o perigo residirá in essentia em sua capacidade de reproduzir identidades, inteiramente reestruturadas, de si mesmas e de seus personagens fundamentais.

Em meio a uma blitz de signos sem qualquer espessura
(com destaque, entre eles, para os que a própria tecnologia propõe de si), formadores e formandos, educadores e educandos, ensinantes e aprendentes, vão, aos poucos, perdendo a capacidade de dialetizar com o concretum das situações, perdendo também, infortunadamente, a sensibilidade para a teorização. Isso se torna grave na medida que eles acabam não mais se percebendo como sujeitos produtores de sentido, e sim como meros decodificadores da tríplice burocracia da lei, do contrato e da instituição(25). Seria como simples clones do grande 'código' que se descaracterizariam como educadores-pensadores, permitindo, para piorar a coisa, o aviltamento da própria cena formativo-pedagógica em sua acepção nobre e urgente de espaço de formação fundante.

Na esteira de Haraway, urge sim desconfiar dos rumores, plantados por alguns comunicólogos, de que, sendo uma práxis e um saber culturalmente neutros, a técnica e a tecnologia só não seriam positivas, só não seriam emancipatórias, se assim o quiséssemos, se assim o permitíssemos; de que sua influência deve ser medida sobretudo por seu nível de uso
(intensivo ou não) em sala de aula; de que elas são tão-somente um outro instrumento (dos mais poderosos, é claro) à disposição de professores e alunos. Como afirma Apple,

"a nova tecnologia não se resume a uma simples reunião de máquinas e de seus respectivos softwares. Ela encarna um forma (perigosa) de pensamento que, na prática, orienta uma pessoa a se aproximar do mundo de uma determinada maneira. Os computadores subtendem, portanto, maneiras de pensar que, sob as atuais condições educacionais, são primacialmente técnicas. Quanto mais as novas tecnologias transformam a sala de aula em sua própria imagem, mais uma lógica da técnica virá substituir o discernimento crítico, político e ético. O discurso na sala de aula centrar-se-á na técnica (na forma) e não no conteúdo que, de fato, importa. Uma vez mais o 'como' substituirá o 'por que'..."(26)

Diante deste quadro, resta finalmente perguntar: como deve proceder um educador-pensador? O que vem a ser um educador-pensador hoje em dia? Pois, mais do que nunca, se faz necessária uma tomada de posição não somente por parte dele, mas de cada de um nós, (indiscutivelmente) envolvidos, em maior ou menor grau -de bom grado ou a contragosto- pela voragem informacional que, aos poucos, vai tragando nossa capacidade de gerar e processar conceitos. O que pode um educador-pensador fazer, assim como o jovem educador, que os velhos não puderam ou não quiseram? Certamente não bastará acomodar-se ao simpático ramerrão dos tecnicismos do 'como' e do 'quanto'.

É preciso voltar-se a adquirir o hábito do afastamento e, perfurando o problema como um aríete, acolher no branco da distância o que talvez esteja ocorrendo demasiadamente perto, com cores em demasia... Só assim será possível avaliar o poder de fogo desse outro desafio e, aí sim, compartilhar ou não de seus esquemas de demarcação. Por ora não basta dizer: não, eu não quero por que não quero ou devo aceitar isso. Posta de lado a rigidez do fato, faltará ao educador-pensador -e não somente em relação ao tecnicismo- produzir nessa hora enunciados apenas seus e, voluntariamente, falar de si mesmo, sobre seus próprios
limites, desejos e paixões. Sem texto, sem discursividade, a educação é nada ou muito pouco, um grão de areia na ventania do pragma capitalista, inábil para desempenhar sua função formativa, decisiva para que a civilização volte a ter rumos.

Se a tecnologia estiver, inexoravelmente, no horizonte de nossa
cultura, se for ela, de fato, a nossa nova aurora -e ao que tudo indica já o está sendo, o será de qualquer jeito- nem por isso deveremos aceitar seus excessos, cometê-los em seu nome contra nós mesmos, abrir mão de conquistar direitos como se isso fosse natural. Mesmo que nos dê muito trabalho, que demande uma desconfortável sensação de fadiga, caberá aos que se propõem pensar (entre eles, repito, sem dúvida, o nosso educador-pensador) não o acolhimento fácil de instigantes devires, mas um enfrentamento duro de questões, um olhar sempre quente, e atento, para as glaciais artimanhas do código.

Notas:

21) Gianni Vattimo, A sociedade transparente, pp. 9-19.

22) Jean Baudrillard, A transparência do mal, pp. 9-19.

23) Id. ibid. p. 9.

24) Id. ibid.

25) Gilles Deleuze, "Pensamento nômade", p. 58

26) Michael Apple, "The new technology: Is it part of the solution or part of the problem in education?", p. 65.

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RESUMO

O crescente fascínio que as novas técnicas e tecnologias vêm exercendo sobre as sociedades contemporâneas - fascínio que as faz serem amiúde tratadas como práticas e saberes autojustificáveis - pode conduzir aquelas sociedades a um perigoso embotamento simbólico em relação a si mesmas, ou seja, aos seus códigos, valores e potencialidades mais elementares. Nesse contexto, uma educação emancipatória pode vir a exercer um papel decisivo para uma retomada de consciência relativamente ao problema. Isto deverá acontecer, sobretudo, mediante a atuação de educadores-pensadores aptos a fornecerem os subsídios conceituais mínimos para a referida retomada.

Palavras-chave: Educação, cultura, tecnologia.

ABSTRACT

Title: The good question of today: The role of education in a technicist society
Author: Jorge Lucio de Campos

The increasing fascination exerted by the new techniques and technologies on contemporary societies - fascination that treat them like self-justifiable practices and knowledges - can drive those societies to a dangerous symbolic unawareness regarding themselves, that is, to their most elementary codes, values and potentialities. In this context, an emancipative education may play a decisive role for a critical reconsideration of the problem. This might happen, above all, by the performance of 'thinkers-educators' able to provide minimum conceptual foundations for that reconsideration.

Keywords: Education, culture, technology.

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